segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ser integrante de uma Torcida Organizada: direito ou crime?

*por Irlan Simões

Em maio de 2010, após intensas discussões entre o poder público, a Polícia Militar e presidentes de clubes, o estado Sergipe se tornou pioneiro em um processo que avança sobre o futebol brasileiro: a Criminalização das Torcidas Organizadas. Nesse contexto a mestranda do Núcleo de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal de Sergipe, Klecia Renata de Oliveira Batista, foi impelida a avaliar tal fenômeno no trabalho que desenvolvia naquele período.


Durante dois anos a mestranda sergipana acompanhou o funcionamento interno da Torcida Trovão Azul, adepta do Confiança, no intuito de fazer um estudo sobre a violência no meio.  Intitulado “Entre torcer e ser banido, vamos nos (re)organizar: um estudo psicanalítico da torcida Trovão Azul”, a tese se tornou um documento inédito sobre a Criminalização das Torcidas Organizadas a partir da realidade sergipana. “Foi um processo fundamental para o meu trabalho, justamente quando eu estava tentando mapear a pressão que a Torcida vinha enfrentando no momento”, afirma.

Defendida no dia 27 de maio, na sua tese Klecia aponta que existe hoje um projeto de modernização do futebol brasileiro, buscando adequar o jogo aos interesses do mercado, mesmo que essas transformações custem a perda dos valores culturais embutidos no futebol. “O que se vê hoje é a Torcida Organizada entrando na lógica que alguns historiadores chamam de torcidas-empresa, se rendendo então a essa lógica do capital”, afirma a pesquisadora.



O Estado como protagonista

No seu trabalho a mestranda recorreu ao referencial psicanalítico de Sigmund Freud visando explicar o fenômeno. Assim ela sugere que, na busca de uma adequação dos estádios e do jogo ao que se entende pelo “ideal da ordem, limpeza e beleza da Modernidade”, há uma tentativa da “retomada do monopólio da violência pelo Estado”. Justificando assim as medidas punitivas que vem sido tomadas contra as Torcidas Organizadas.

Segundo a pesquisadora, as Torcidas Organizadas cumpriam um papel de resistência a esse processo. “Hoje não há mais margem de sobreviver no futebol fora desse padrão de “modernidade”. Dessa realidade a única coisa que tinha sobrado eram as torcidas, que hoje em dia também estão sendo ameaçadas”, afirma. Para ela, a violência no futebol não se restringe às T.Os. Na realidade, a violência é própria da vida do homem em sociedade e as TO's constituem, no âmbito futebolístico, um microespaço no qual essa violência se torna presente.

“O novo Estatuto do Torcedor é o carro-chefe desse processo de modernização das T.Os”, afirma Klecia Renata, questionando o papel que o projeto aplicado pelo Ministério dos Esportes vem cumprindo. Para ela o projeto sancionado em 2010 é responsável pelas ameaças de banimento, proibição da entrada nos estádios, da venda de materiais padronizados e da criminalização dos torcedores organizados.

Ainda segundo a pesquisadora, a reorganização das T.Os tem gerado uma elitização do seu corpo de integrantes, uma vez que a concepção de que o torcedor mais pobre é o causador da violência é o que tem imperado no senso comum.

Panorama nacional

Além da orientação do professor Eduardo Leal Cunha e da presença de Daniel Menezes Coelho, ambos da UFS, a defesa da tese teve como convidado o historiador Bernardo Borges Buarque de Hollanda,doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Faculdade Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Estudioso do assunto há mais de dez anos, no seu comentário como integrante da banca da defesa da tese, Bernardo reforça a ligação entre o “ideal da ordem e limpeza da Modernidade” e o processo de elitização do público torcedor do futebol, traçando paralelos com os processos ocorridos em outros países, como a Inglaterra.

O pesquisador, que também estudou o histórico das Torcidas Organizadas no Brasil, lembra que criminalizar os torcedores uniformizados não deixa de fazer parte do mesmo projeto que busca excluir o torcedor mais pobre dos estádios. “Isso é uma forma de elitizar o espectador, e essa vai ser a tendência. O “telespectador” vai ser o lugar das classes populares”, afirma. Bernardo justifica a sua tese mostrando como os estádios têm diminuído, após sucessivas reformas, a sua capacidade de público e aumentado o valor dos ingressos buscando atingir apenas um público consumidor de classe-média alta.

Um aspecto também ressaltado pelo estudioso é a movimentação das Torcidas Organizadas buscando frear tal processo. No Rio de Janeiro foi fundada a Federação das Torcidas Organizadas, a FTORJ, enquanto num âmbito nacional a Confederação das Torcidas Organizadas (CONATORG) dá os primeiros passos na busca de uma representatividade para o setor. “É sempre muito difícil uma representação das Torcidas Organizadas porque existem muitos conflitos internos e entre elas, mas já é um sinal de que há um avanço, uma possibilidade de declamar direitos. Não apenas deveres, como querem os dirigentes”, afirma.

Quando questionado sobre como o senso comum brasileiro tem apoiado tal processo de modernização, Bernardo é enfático: “É muito desigual essa transmissão de mensagens”. Para ele há uma grande dificuldade em explicar como esse processo vai excluir os próprios torcedores que aprovam tais medidas.

O avanço do processo de criminalização

No dia 13 de junho de 2011, dias antes do fechamento desta matéria, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro acionou as Torcidas Organizadas para uma Audiência Pública. Na ocasião estavam presentes representantes de 36 torcidas organizadas, do Ministério do Esporte, da Polícia Militar, da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer, da Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj) e da Federação das Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro (FTORJ).

Todos os convidados tiveram de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que operacionaliza o Estatuto do Torcedor. Entre as exigências estão a proibição de diversos artigos, como bandeiras, faixas, e materiais que possivelmente ocasionariam o ferimento dos presentes no estádio e a penalização da Torcida Organizada em caso de descumprimento de algumas normas por parte de algum dos seus integrantes.

 Ao fim da Audiência, Flávio Martins, presidente da FTORJ lamentou que apenas as Torcidas Organizadas fossem responsabilizadas pelo esvaziamento dos estádios. “Muito se fala da violência promovida pelas torcidas, mas nunca se questiona a condição do transporte público que tem sido disponibilizado, nem o valor dos ingressos e nem o horário dos jogos.”, afirmou.

*Irlan é Baiano, estudante de Comunicação Social da UFS
Torcedor do Vitória/BA, faz parte do movimento "Somo mais Vitória" (http://www.somosmaisvitoria.com.br/)

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